Política quente nas terras geladas

Ontem foi dia de eleições aqui no Quebec, aliás muito comentada na imprensa local e internacional. Resolvi escrever sobre isso apenas agora, após o desfecho das eleições, para dar uma visão de um brasileiro perdido na complicada e polêmica política quebequense. Vou apresentar o assunto conforme eu entendo, pode não ser muito exato mas é a percepção de quem chegou de fora.

Contextualizando

Nas últimas décadas, no Quebec, a visão política se divide em duas vertentes, os soberanista e os não soberanistas. Os soberanistas sonham com uma província cada vez mais independente do governo federal, com cada vez mais autonomia e no extremo a “independência” do Quebec e sua separação do Canadá. Os não soberanistas, entendem que o Quebec ganha mais se estiver melhor integrado com os interesses do Canadá como um todo, mesmo que existam diferenças culturais e históricas importantes.

Representando os soberanistas está o PQ – Partido Quebecois – e do outro lado está o partido PLQ – Partido Liberal do Quebec. Em teoria a diferença entre as plataformas políticas seria em razão de o PQ sera mais socialista e o PLQ ser liberal. Mas na prática essa diferença fica em segundo plano. Outro partido, a CAQ – Coalisão para o Futuro (Avenir) do Quebec – surgiu como uma alternativa mais sóbria, segue uma versão menos radical da cartilha do PQ sem o viés separatista. Existe ainda outros partidos nanicos que pouca diferença fazem no cenário político.

Por fim um outra maneira de ver o cenário político: francófonos x anglófonos. Os primeiros tendem a apoiar o PQ e os últimos o PLQ.

Declínio e queda do M. Charest

O PLQ tem governado o Quebec na última década, vinha sendo um governo razoável e com boa aprovação popular. O PLQ também detinha mais de 50% das cadeiras do parlamento o que configura um governo de maioria, tudo que vinha dos ministérios era aprovado por um parlamento tomado pela situação. O primeiro ministro Jean Charest, vinha comandando o governo em relativa tranquilidade até que começou a tomar decisões antipopulares e pior; negando-se ao diálogo com a população.

A crise econômica mundial obrigou governos do mundo todo a tomar medidas de austeridade, mas a maneira como o governo atual da província fez isso não foi muito apreciada pela população. A gota d’água doi o aumento das tarifas escolares, que originou o boicote estudantil e a lei 78, considerada antidemocrática e ditatorial, mais detalhes nesse antigo post.

Em meio a crise política o governo foi obrigado – por questão de honra – a marcar as eleições. Explico: as eleições são marcadas pelo governo atual quando acharem de direito, não são previamente estabelecidas como no Brasil. Pois bem, as primeiras pesquisas mostravam que o PLQ ainda tinha aprovação, e uma reeleição do partido da situação daria um aval popular as mudanças executadas pelo atual primeiro ministro. Mas urnas discordaram.

Governo minoritário do PQ

As eleições foram ontem e foram apuradas rapidamente. No final da noite estava declarada a vitória do PQ, o que coloca a Madame Pauline Marois como a primeira mulher a ocupar o cargo de primeiro ministro do Quebec. O PQ ficou 43% das cadeiras, o PLQ obteve 40% e a CAQ 14% e o QS com o restante. Ou seja, o PQ não possui 50% e precisará do apoio dos outros partidos para fazer passar as leis no parlamento. O ex-primeiro ministro não conseguiu nem manter sua cadeira no parlamento, já que foi derrotado no seu distrito: Sherbrooke.

Para a questão das tarifas escolares, foi uma vitória dos estudantes. O PQ prometeu cancelar os aumentos e negociar com as entidades estudantis qualquer mudança no sistema atual de subsídio. Por outro lado existe o temor de um novo referendo separatista que mesmo que a população vote pelo não, ainda gera um temor econômico. Explico: nas últimas vezes em que houve um plebiscito separatista, muitas empresas com sede em Montreal, mudaram-se para outras províncias, uma perda econômica inestimável.

PQ e os imigrantes

Forte defensor da língua francesa e dos valores do Quebec, o PQ promete promover a imigração baseada no conhecimento do francês. O que isso vai significar? Não vou ficar espantado se surgir uma nota mínima de corte nos testes de francês para candidatos ao CSQ, mas não acho que será nada radical. No discurso do partido, porém, fica claro a resistência aos imigrantes que não se integram na sociedade do Quebec, seja por causa da falta de domínio do francês ou por questões culturais e religiosas. Na plataforma eleitoral do PQ lê-se:

Accueillir et intégrer les nouveaux québécois

28- Resserrer les règles de sélection des travailleurs qualifiés et leur famille afin qu’ils puissent se trouver un emploi de qualité et bien s’intégrer à la société québécoise.

29- Appliquer une véritable stratégie d’intégration afin que le Québec puisse accueillir tous les nouveaux Québécois; rendre obligatoires les cours de francisation pour celles et ceux qui n’ont pas une connaissance fonctionnelle du français et établir un parcours d’accompagnement individuel au cours de leurs premières années d’installation, et ce, pour tous les nouveaux Québécois.

A palavra resserrer significa mesmo o que parece, deixar mais difícil, mais fechado.  O ponto positivo é o fortalecimento do curso de francisação, um dos principais benefícios aos imigrantes que vinha sendo cortado pelo governo do PLQ.

Radiclismo

Mas radical mesmo foi a atitude de um doido, que resolveu protestar violentamente contra a vitória do PQ, tentando atacar os membros do partido durante o discurso de vitória. O sujeito tentou colocar fogo no prédio e invadir o local com uma AK47. Foi impedido por funcionários do imóvel onde o PQ se reunia e depois preso pela polícia. Resultado: um funcionário morto e um ferido à bala. Segundo a imprensa o maluco gritava durante a sua prisão: “os anglófonos se levantarão”; mas ele gritava em francês.

Perspectivas

Muitos brasileiros imigraram para o Quebec dentro do “reinado” do Partido Libera. Das regras de imigração às perspectivas econômicas, tudo andava conforme o PLQ ditava e em harmonia com o governo federal.

A visão mais radical do PQ traz incertezas quantas as regras do jogo e o discurso separatista assusta muito as empresas e depõe contra a economia. Por outro lado o fato de o PQ não ter a maioria das cadeiras do parlamento pode deixar o novo governo de mãos atadas no momento de indroduzir qualquer proposta mais radical.

Se vai ser melhor ou pior, só o tempo dirá.

P.S. Para agitar o blog que anda meio parado… uma enquete nova sobre o assunto, ali na barra da direita.

 

 

4 opiniões sobre “Política quente nas terras geladas

  1. Olá Sandro,
    Obrigada pelo texto muito bem escrito sobre um assunto complicado.
    Foi muito útil para nós que estamos quase com um pé nas terras geladas.
    Abraço,
    Alessandra e Márcio

  2. Recomendo a quem está planejando vir para QC acompanhar com cuidado o que está acontecendo. Leiam jornais como La Presse e/ou Gazette. Não acho que vá acontecer alguma catástrofe a curto prazo mas a cada dia que passa tenho mais dúvidas se Qc faz sentido a longo prazo para nós.

    O que mais me assusta é a plataforma racista do PQ. Em nome de defender a cultura e a língua francesa, estão falando em medidas para aumentar a população de que tem francês como primeira língua na ilha de Montreal e proibir funcionários públicos de usar símbolos religiosos que não sejam católicos/cristãos. Também está na lista proibir imigrantes de ir a CEGEP’s em inglês e aumentar impostos. Ou seja, vc paga impostos para o governo tirar direitos de vc e criar políticas de colonização francófona da ilha (não basta aprender françês mais, tem que ser de berço agora). Eles não devem conseguir muito apoio para separatismo de outros partidos, mas o CAQ e QS devem apoiar com leis contra o inglês.

    Os próximos dois anos devem ser marcados por inação no governo provincial com o PQ se degladiando com a oposição no parlamento. Acho que mesmo o cancelamento do aumento das anuidades das universidades tem que passar pelo parlamento.

    O PQ também deve comprar todas as brigas que puder com o governo federal. Não deve conseguir nada de um governo austero como o federal numa época de crise econômica e que é o primeiro governo eleito sem apoio de QC. Mas vai servir para criar uma impressão de que Ottawa não dá bola para QC e ganhar mais apoio da população. Devemos ter uma nova eleição em 18 a 24 meses. Até lá pouco de útil será feito pelo parlamento ou pela primeira ministra.

    Por outro lado pode ser que o CAQ consiga se estabelecer como uma alternativa viável à dupla de trogloditas (PQ e PLQ) ou mesmo o NDP abra sua filial provincial e se estabeleça como tal alternativa (federalista no caso).

  3. Alessandra, Dea e Saci, obrigado pelos comentários.

    Frozen Saci, realmente algumas coisas na plataforma do PQ assustam, mas temos que ponderar:

    1. O quanto é discurso e quanto será posto em prática;
    2. Se as políticas mais radicais passarão num parlamento com maioria da oposição;
    3. O quanto esse governo vai durar, pois a oposição tem maioria para votar uma nova eleição geral a qualquer momento. A mídia aposta na próxima primavera (menos de 1 ano!)

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